Ocupações são repertórios legítimos de protesto, constituem-se como estratégias de mobilização para o enfrentamento aos retrocessos nos direitos que foram conquistados pelas lutas populares no Brasil.
As reformas inconsultas em curso impõem a destruição de “consensos construídos ao longo de décadas”. Direitos à educação e saúde pública de qualidade são ações públicas fundamentais no combate à desigualdade social no país. Esses direitos “estão sendo revogados sem qualquer tentativa de debate com a sociedade. [Constata-se a] imposição autoritária de uma agenda, sem negociação, sem qualquer abertura para o diálogo, sem sequer esclarecer a cidadania do que se trata” (Miguel[1]).
Diante dessa atuação autoritária secundaristas e universitários de mais de 200 instituições ocuparam as instalações de escolas e universidades. As ocupações são acionadas diante do desprezo pelo diálogo e concertação pelo governo antipopular. Segundo os estudantes mobilizados, ocupar foi o único mecanismo para dar visibilidade ao descontentamento e para debater propostas em face aos retrocessos em curso. Em Brasília, as ocupações da UnB começaram em 31 de outubro na Reitoria e foram ampliando-se para outros locais de importância para o campus Darcy Ribeiro, estendendo-se também para o campus de Planaltina.
No contexto atual de estreitamento das possibilidades de ação cidadã e da ênfase na repressão das contestações, abrir mão da resistência é um privilégio ao qual renunciaram os estudantes grevistas da UnB. Esses estudantes corajosos interpelam ao Brasil relembrando que “o retrocesso em curso ameaça a todos: visa ampliar a exploração do trabalho ao mesmo tempo em que quer empurrar as mulheres de volta para a esfera doméstica, nega o direito à cidade tanto quanto nega o acesso à cultura, anda para trás na proteção ao meio ambiente e no combate ao racismo, atinge de forma ecumênica os povos indígenas, os portadores de deficiência, os gays, lésbicas e travestis, o funcionalismo público, o estudantado, as aposentadas e os aposentados. Todos e cada um desses grupos vivenciam recuos ou ameaça de recuo nos direitos, na legislação protetora, na presença de organismos do Estado voltados ao diálogo com eles, no investimento público destinado a minorar suas carências” (Miguel, 2016).
As ocupações da UnB colocam na esfera pública a defesa do “discurso dos direitos, que se tornara hegemônico no debate público brasileiro a partir da Constituição de 1988“. A greve estudantil da UnB destaca que as mudanças em curso buscam pautar uma visão de mundo que derruba a ênfase no combate à desigualdade social no Brasil. Na visão contrária, que está sendo imposta pelo governo antipopular, prevalece “uma percepção atomista da sociedade, que despreza qualquer forma de solidariedade e lê o direito como privilégio inaceitável num mundo que começa e termina na competição entre as pessoas. Por isso, o único direito que pode ser evocado é o estritamente individual, usado contra a mobilização coletiva: o direito de quem quer ter aula contra quem ocupa a escola [ou a universidade], o direito do motorista contra a manifestação de rua, o direito do usuário contra os servidores públicos em greve […] Lutar contra isso, recuperar uma cosmovisão baseada na justiça, na igualdade e na solidariedade, é uma tarefa urgente” (Idem) porém difícil.
A ocupação do Pavilhão João Calmon da UnB, liderada por estudantes de humanas, foi intimidada pela presença policial na calada da noite do dia 14 de novembro. Sem mandado judicial, tal presença confirma que as forças repressivas estatais, como atores da “institucionalidade [constituem] sempre uma arena de contenção das lutas pela transformação social”. Essa intimidação policial evidencia que essa “institucionalidade opera de forma seletiva, cancelando exatamente os mecanismos de proteção de direitos conquistados […] enfatizando seus componentes mais autoritários”. Essa atuação estatal de intimidação reforça a compreensão de que neste momento, é chave que a sociedade brasileira invista na luta extra-institucional, isto é acionar repertórios de protesto e mobilização social para garantir o exercício das liberdades e da atividade política e cidadã para denunciar a violência policial crescente contra movimentos populares.
A greve estudantil da UnB ocupou e continua na resistência. Os locais ocupados foram apropriados e transformados em cenários dinâmicos, criativos, participativos. Com temáticas amplas, porém focadas na conjuntura política brasileira, reúnem diversos atores em torno de debates horizontais e plurais (aulas públicas e rodas de conversa) que permitem vivenciar o exercício cidadão. A empreitada não é simples. Um dos desafios consiste em contornar a invisibilidade midiática das virtudes do movimento ou a criminalização das ocupações veiculada pela mídia hegemônica. Estão em curso estratégias para divulgar o movimento mediante um site exclusivo[2], uma comunidade no facebook[3] e na rádio universitária[4].
Como movimento social experimenta contradições no tocante a capacidade de convocatória e, principalmente, frente as formas de mobilização. Tais empecilhos não devem ser lidos pelos estudantes como fraqueza, mas entendidos como horizontes processuais a serem construídos coletivamente. Uma massiva vinculação estudantil pode incentivar a criatividade do movimento para alçar mão de atos para além do campus universitário. Os aprendizados capitalizados nas três semanas de vida do movimento serão fundamentais para continuar a caminhada. OCUPA e RESISTE!
[1] MIGUEL, Luis. Cidadania sitiada. Disponível em https://blogdaboitempo.com.br/2016/11/14/a-cidadania-sitiada/, acesso em 16/11/2016.
[2] www.ocupacaounb2016.wixsite.com/2016.
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